E se o seu banco ou corretora falirem, como o banco norte americano Lehman Brothers em 2008? E se o governo não permitir que você retire dinheiro do seu banco local, como o Brasil nos anos 90? E se o país que você investe estabelecer controles de capital e você não puder mais retirar seu investimento, como a Malásia na crise de 1997 ou a Islândia em 2008? E se o governo roubar seu fundo de aposentadoria, como o país da União Europeia, Chipre, durante a crise de 2008? E se você tomar um calote em investimento de renda fixa, como os investidores em títulos Argentinos em 2001? E se o euro entrar em colapso? E se o governo tomar o seu apartamento à força, como o Maduro na Venezuela? E se houver grandes reformas tributárias que dobrem ou tripliquem seu imposto sobre ganhos de capital em ativos ilíquidos, como imóveis ou planos de pensão? E se o seu país entrar em uma grande guerra? E se o mundo enfrentar uma pandemia?
Estes são exemplos de riscos que a maioria das pessoas considera muito pequenos e, portanto, nem se protegem contra eles. Os investidores devem se proteger contra riscos de eventos raros, também conhecidos como tail risk. Em "Capital Humano", oferecemos a história real de uma secretária que trabalhou toda a sua vida em uma empresa "grande demais para falir" e colocou todos os seus fundos de aposentadoria em ações da empresa em que trabalhava, mas a empresa quebrou um pouco antes dela se aposentar. Portanto, ela não tinha mais emprego nem plano de aposentadoria numa fase tardia de sua vida. Talvez em 99% das vezes ela estivesse bem mas você não quer correr nenhum risco. Como afirma o ganhador do Prêmio Nobel Myron Scholes, "a coisa mais importante nos retornos financeiros são os retornos mais raros". Investir é como atravessar um rio muito raso sem saber nadar. Em média, você pode atravessar bem em qualquer lugar, mas se cruzar no único ponto profundo, poderá nunca ter a chance de voltar. Aqui estão algumas maneiras pelas quais você pode se proteger contra riscos tão raros mas que podem fazer toda a diferença:
- Risco no nível do investimento: a maioria dos países possui regras que reembolsam os investidores no caso de uma instituição (como um banco) seja incapaz de pagar sua dívida. No entanto, esses programas de garantia de depósito geralmente têm um limite por investidor por instituição. Por exemplo, os investidores americanos estão protegidos até US$ 250.000 por instituição, os investidores brasileiros estão protegidos até R$ 250.000 por instituição (total de R$ 1 milhão) e os países da UE tendem a proteger até € 100.000 por instituição. Diferentes países também têm políticas próprias, como a instituição que é elegível para reembolso e a que não é. Os investidores devem tentar não fazer investimentos superiores ao valor garantido do depósito de segurança.
- Risco no nível da empresa: apenas porque esses programas de garantia de depósito de segurança existem, isso não significa que, no dia seguinte à falência, seu capital estará de volta em sua mão. Esse processo geralmente leva anos para ser concluído, caso funcione. Embora a maioria dos governos possua esses programas de segurança, mesmo que você coloque seu dinheiro abaixo do limite em um banco e ele falir, você não terá acesso ao seu capital por um longo tempo. Em outras palavras, você ainda estará com problemas. Para se proteger contra riscos no nível da empresa (por exemplo, falência bancária), você deve investir em várias instituições. A menos que você tenha um capital muito pequeno, você não deve colocar todo o seu capital em apenas uma empresa. Além disso, você nunca deve escolher um punhado de ações ou títulos corporativos e colocar uma grande proporção de investimentos neles. Você deve investir em ETFs amplamente diversificados.
- Risco no nível nacional: para se proteger contra riscos no nível do país (por exemplo, introdução de controles de capital, reformas tributárias nacionais, expropriação do governo, inadimplência de títulos de países soberanos, colapsos cambiais), os investidores devem investir em todo o mundo. Em outras palavras, eles não deveriam apenas ter capital estacionado em instituições diferentes, mas essas instituições deveriam estar em países diferentes com investimentos ao redor do mundo. Abrir conta bancária e de corretagem no exterior é um elemento básico do investimento, embora poucas pessoas o façam. Além disso, o risco no nível nacional é outro motivo fundamental para investir em vários países. É amplamente reconhecido que os investidores tendem a investir em seu país de origem muito mais do que deveriam (French e Poterba, 1991; Tesar e Werner, 1994, Grubel, 1968; Levy e Sarnat, 1970; Solnik, 1974). Em média, os investidores estão dispostos a assumir riscos mais altos e ganhos mais baixos para investir principalmente em seus países de origem (Tesar e Werner, 1995; Bohn e Tesar, 1996). Os investidores não devem investir apenas em fundos de índice amplamente diversificados, mas também em ativos denominados em várias moedas, especialmente o dólar americano. Além disso, considere obter um segundo passaporte, especialmente no caso de um colapso de longo prazo no nível nacional no seu país de origem.
- Seguro: Normalmente, seguros (e garantias estendidas) não são os melhores investimentos. Em média, se os indivíduos ganhassem mais dinheiro com o seguro do que pagam pelo seguro, todas as companhias de seguros fechariam o negócio. Portanto, em média, os indivíduos têm que perder dinheiro com o pagamento do seguro. No entanto, se o seu portfólio de investimentos estiver muito inclinado para um ativo e não houver maneira de diversificá-lo, pode ser uma boa ideia pagar pelo seguro. Por exemplo, se a maior parte do seu portfólio está alocada em sua casa e você não deseja vender e diversificar seus investimentos, provavelmente você deve ter um seguro de propriedade (Kunreuther, 1996). Isso acontece porque seu portfólio de investimentos está muito inclinado para um ativo (ou seja, sua casa) e não há como diversificá-lo no curto prazo. Conseqüentemente, "proteger-se" contra um grande dano ou perda na casa (e comprar a maior franquia possível) é provavelmente uma boa escolha (Thaler e Sunstein, 2008). Em média, se você comprar o seguro, perderá dinheiro, mas isso diminuirá a variação do seu portfólio, ou seja, o risco. A troca risco-retorno pode ser vantajosa. Da mesma forma, se você é um indivíduo altamente remunerado e sua família certamente terá uma vida financeiramente abundante, a menos que você morra, provavelmente você deve ter um seguro de vida (além disso, o seguro de vida pode ser frequentemente usado para evitar legalmente os impostos sobre herança, o ITCMD no Brasil).
- Derivativos: o seguro pode ser visto como um tipo de derivativo. Se você investir muito em seguros ou derivativos (ou se tentar superar o mercado com eles), provavelmente perderá uma grande quantia no longo prazo. No entanto, se você trabalha no setor de tecnologia e está convencido de que todos os seus investimentos devem estar no setor de tecnologia, você deve considerar comprar "puts" de ações de tecnologia, onde "puts" são opções para vender um ativo específico no futuro por um preço pré-definido. Conseqüentemente, se o preço do ativo cair acentuadamente e você tiver uma posição pesada desse ativo, suas perdas financeiras serão minimizadas com o direito de vender parte dele por um preço anterior a queda (consulte derivativos para entender essa comparação com seguros melhor). Por último, mas não menos importante, é necessário dizer que seguros e derivativos tendem a ser pouco utilizados, se usados em boas carteiras de investimentos. Tanto seguro quanto derivativos tendem a te fazer a perder dinheiro em média (por exemplo, Siegel, 1994). Seguros e derivativos podem ser mais importantes para indivíduos com uma alocação ineficiente de recursos.
"[O portfólio perfeito] precisa lidar com suas próprias vulnerabilidades. Se você trabalha na indústria automotiva, não deve investir muito em ações automotivas. Você deveria "short" [apostar na queda] elas." - Robert Shiller, vencedor do Prêmio Nobel de 2013 |
Fontes:
- Bohn, Henning and Linda L. Tesar. (1996). U.S. Equity Investment in Foreign Markets: Portfolio Rebalancing or Return Chasing? American Economic Review. 86:2, pp. 77-81.
- French, Kenneth and James Poterba (1991), “Investor diversification and international equity markets”, American Economic Review 81:222-226.
- Grubel, H.G. (1968). "Internationaly Diversified Portfolios." The American Economic Review. 58,129-1314.
- Kunreuther, Howard (1996). “Mitigating Disaster Losses Through Insurance.” Journal of Risk and Uncertainty 12: 171–87.
- Levy, H., and M.Sarnat (1970) "International Diversification of Investment Portfolios." The American Economic Review 50, 68-675.
- Siegel, Jeremy (1994). Stocks for the long run: the definitive guide to financial market returns and long-term investment strategies. New York: McGraw-Hill.
- Solnik, BiT., (1974). "Why Not Diversify Internationaly Rather than Domesticaly?." Financial Analysts Journal 30, 91-135.
- Tesar, Linda and Ingrid Werner (1994), “International equity transactions and U.S. portfolio choice”, in: Jeffrey A. Frankel, ed., The Internationalization of Equity Markets (University of Chicago Press, Chicago), pp. 185-216.
- Tesar, Linda and Ingrid M. Werner (1995). "Home bias and high turnover." Journal of International Money and Finance,
Volume 14, Issue 4, Pages 467-492. - Thaler, Richard H., and Sunstein, Cass R. (2008). Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth, And Happiness. New Haven: Yale University Press.